Sobre a proliferação de comentadores de economia
É o que tem de bom o nosso país; esta gentil ignorância sobre os nossos assuntos faz de nós uns patuscos.
Com a idade, há coisas que vamos deixando – ou já deixámos – de discutir, ou porque não têm importância ou porque nos encontrámos finalmente reduzidos à nossa pequena e natural dimensão, e, em consequência, já pouca gente nos liga. Entre essas matérias (muito numerosas) encontram-se o Orçamento de Estado, o buraco do ozono, o desembarque dos “liberais” em 1832, a situação actual do regime bancário português ou, enfim, saber se a D. Jéssica Athayde está – ou não – mais magra. Este último tema foi-me sugerido por Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, e conto um dia pronunciar-me sobre ele.
O velho Doutor Homem, meu pai, tinha por hábito dizer que, em Portugal, tanto a “literatura” como a “indignação” eram coisas que ficavam muito baratas, razão por que se escrevia muito mal na “literatura indígena” – e por que a “indignação” diante do destino ou dos defeitos dos outros nos tinha impedido de procurar fazer coisas bem feitas. No entanto, ainda mais barato do que esses dois flagelos era o fornecimento geral de “opinião” (um produto totalmente gratuito). Tanto assim que a expressão “eu não sei, mas acho que...” é uma das mais frequentes e interessantes do nosso idioma. Só esta ideia (a de “não saber” mas, mesmo assim, emitir uma “opinião”, tão mais enérgica quanto menos fundamentada) permite explicar a extraordinária abundância de comentadores de economia e finanças públicas nas nossas televisões.
Os meus irmãos rapazes são, ambos, economistas (ou “astrólogos”, na gíria familiar – por aqui se vê a fé dos Homem nessa ciência tão sobrevalorizada), seguindo a carreira do nosso avô, administrador de quintas do Douro e antigo colega de José Domingues dos Santos (um esquerdista radical no ocaso da República) no Instituto Superior de Comércio do Porto. Quando lhes peço para confirmarem ou, na maior parte dos casos, para desmentirem esta ou aquela desgraça, ambos encolhem os ombros como se me aconselhassem a não ver telejornais e a dedicar-me a outras matérias, porque de economia sei, digamos, “os rudimentos imutáveis”. Acontece que a generalidade dos comentadores na televisão não são comentadores de economia mas – como me garantem os meus irmãos, a minha sobrinha esquerdista e mesmo o bom Alfredo do restaurante Ancoradouro – de comentadores de outras coisas que também comentam economia e que, desde há quatro anos, não fazem outra coisa, como se estivessem munidos um bacharelato em finanças. É o que tem de bom o nosso país; esta gentil ignorância sobre os nossos assuntos faz de nós uns patuscos.