Rejuvenescer é ganhar uns anos mais
Ao dobrar os quarenta anos e entrar, por assim dizer, na “idade interessante”, a minha sobrinha Maria Luísa confessou-me que “estava a envelhecer”. Não propriamente nestes termos; tratava-se, antes da descoberta de que os relógios do tempo e da idade tinham coincidido num ponto da sua vida. Expliquei que Honoré de Balzac não era um psicólogo nem um sábio – e que a ideia de uma “mulher de trinta anos” com os atributos de Louise d’Aiglemont tinha hoje correspondência na “mulher de quarenta anos” e, mesmo, na “mulher de cinquenta anos”. O sorriso relativamente triste de Maria Luísa respondeu-me por vias travessas, como se fosse uma espécie de confirmação da provável generosidade de um tio ancião – mas que isso não significava apenas um gesto de generosidade ou de cavalheirismo, e que a realidade era bem mais crua.
Louise d’Aiglemont nunca foi tema de conversa na família. O adultério, como o erotismo e outras matérias, não chegava à mesa da sala de jantar. Mas Louise d’Aiglemont permanecia na minha memória, e na minha prédica, como um exemplo do tempo que passa e perdura com a sua beleza, mais do que os seus pecados, que não me interessaram nunca e eram apenas um perfume no cetim falso de Balzac, impiedoso e cru.
Mas o enigma permanece: a idade de amadurecer, primeiro; a idade de envelhecer, depois. Por mim, não encontro matéria definitiva: com a idade, passei a desobedecer às obrigações dos velhos. Ao contrário dos lugares comuns sobre gerontologia, não passei a gostar mais de sopa nem a dormir menos; o meu gosto pela preguiça aumentou, bem como o prazer de comer coisas proibidas e de imaginar vidas pretéritas que não tive. Também não me tornei mais conformista, nem mais austero, nem mais sábio. Quis o destino, como afiançam sobretudo as minhas irmãs (que temem o envelhecimento), que eu tivesse nascido já no final da minha adolescência, poupando-me a infortúnios como o acne, a depressão ou a rebeldia sem justificação. Encarei a “vida adulta” como uma etapa inevitável até chegar à minha vida neste eremitério de Moledo, onde vivo diante do mais belo mar português e dos pinhais cujo perfume se confunde com a própria doçura do Verão. E aqui estou. Sempre esperei por esta idade. Se o Tio Alberto não tivesse morrido, iria com ele até às margens do seu Cáspio, sem destino ou obrigação.
Maria Luísa olhou-me como se tivesse descoberto um monstro. A eleitora esquerdista da família nunca tinha suspeitado que, sob a pele de um conservador da idade do Titanic, havia um aventureiro natural e envergonhado. Suspeito que rejuvenesceu sem medo da idade.