Um família conservadora e os casamentos de Verão
Quando, durante um almoço de domingo de há uns anos, a minha sobrinha Maria Luísa anunciou o seu terceiro casamento (que não chegou a realizar-se), houve um certo burburinho à mesa. O ruído extravagante de talheres e um súbito tossicar por parte de alguns dos meus irmãos, não se deveu ao anúncio do casamento propriamente dito – mas ao facto, ainda mais extravagante, de quase ninguém ter tomado conhecimento do segundo divórcio.
O assunto esgotou-se com alguma rapidez e não sobreviveu à sobremesa de leite-creme com framboesas espanholas, uma pequena intromissão de dona Elaine para interromper o embaraço familiar, com a travessa depositada na mesa para causar aquele efeito esperado: um aplauso comedido e comovido, semelhante ao que era provocado pela chegada do arroz de pato da Tia Henriqueta à vasta mesa do sobrado de Vila Praia de Âncora.
Os casamentos da família nunca tiveram grande história, ou porque nas nossas estantes existem demasiados livros de Camilo, ou porque o sentido da moralidade foi lentamente expurgado – pela repetição de episódios romanescos – ao longo dos anos, da tentação do escândalo.
Mas houve casamentos, sim. Assisti a uma lista infindável de bodas, sensatamente programadas para sábados caniculares dos Verões de Ponte de Lima, dos Arcos ou de Viana; sobrevivi à maior parte deles, tentando não me enganar nos nomes dos noivos e, em certas ocasiões, resistindo educadamente ao prolongamento das cerimónias, como um celibatário histórico.
A Tia Benedita era chamada a participar em quase todos; a sua presença conferia mais solenidade aos festejos, como se o facto de ela se sentar num dos lugares de honra fizesse supor que o almoço seria apresentado em loiça da Companhia das Índias.
O velho Doutor Homem, meu pai, aguardava pelo momento definitivo das fotografias de grupo – e ele sabia, sorridente, que se tratava de um espectáculo imperdível. Arrumados os convidados e os membros da família, os mais recentes ou aqueles que rescendiam à fundação da Monarquia, a Tia Benedita lançava um olhar severo, varrendo a composição com a sua frase do costume, em surdina: “Os apêndices para os seus lugares.” Queria ela dizer, habituada a separações e divórcios informais, que os sucessivos genros e noras se deviam colocar nas margens das fotografias para ser mais fácil recortá-los depois, em caso de “catástrofe”. E os “apêndices” lá iam, serenamente, obedientemente, a ocupar os segundos planos que podiam mais tarde ser, ou não, decapitados.