Um Verão com iodo e ciúmes familiares
Ao contrário do que supõe a generalidade dos “equiparados a sociólogos” que trabalha nos jornais, não é unânime a ideia de que o Verão seja um território de absoluta felicidade. Preparam-se grandes catástrofes: “o regresso às aulas” antecipará uma temporada em que psicólogos e adivinhos serão entrevistados pelas televisões para nos esclarecerem sobre os traumas que as crianças sofrem todos os anos em Setembro; a chegada do Outono será acompanhada de cantos trágicos e celestiais de economistas (como os meus dois irmãos, cada um em seu ramo) que hão-de celebrar a angústia das contas públicas; para concluir uma procissão de condenados, chegará o Natal e a necessidade de demonstrar o nosso amor ao próximo.
Sei destas coisas por ouvir dizer. Nos areais de Moledo, a meio da tarde, quando começa a levantar-se uma nortada carregada dos iodos atlânticos, há conversas instrutivas sob os toldos de Verão: a minha sobrinha Maria Luísa, que acha “as crianças” (como ela se refere aos seus filhos adolescentes) relativamente insuportáveis, pede a antecipação do ano escolar para Agosto, por considerar que as hormonas devem ser educadas com disciplina e não abandonadas à sua sorte; os economistas, em calção de banho, mencionam operações complicadas da sua ciência e temem a chegada da troika; e Dona Elaine, inesperadamente, a meio de uma tarde de calor apenas temperada pela sombra dos pinhais, sugeriu que este ano substituíssemos o peru pelo cabrito na ceia de Natal, “porque a pequena holandesa queria prová-lo”.
“A pequena holandesa” (natural da Frísia e do Mar do Norte – só isso explica ela achar o mar de Moledo uma bolsa de requintes tropicais) chama-se Isabelle, é a namorada do meu sobrinho Pedro e ainda não tinha antes, e com três meses de antecedência, interferido no cardápio da cozinha de Dona Elaine, a governanta vitalícia. Tirando estas inquietações, saiba o leitor que o Estio decorre no Minho com a moderação habitual. Maria Luísa declarou-se satisfeita com a época balnear e tentou explicar aos filhos que “o iodo” é uma categoria filosófica idolatrada em Moledo, comparável à alma ou às provas da existência de Deus, e não uma matéria para a medicina ou a química. Isabelle, muito positivista, sorriu à ideia e esclareceu que o iodo é muito recomendável “para a saúde”.
Maria Luísa abriu muito os olhos e pediu-lhe para não se meter no assunto. Ela não perdoa que eu tenha emprestado o velho Rover para o meu sobrinho Pedro e a “pequena holandesa” irem a Viana às festas da Senhora da Agonia.