Lições de economia num mundo de idiotas
«O velho Doutor Homem, meu pai, não só defendia que a vida não tinha sentido (um prolongamento romântico do seu pessimismo) como dizia que era impossível explicar isso a pessoas dos tempos de hoje. Ele acreditava que a um mundo que acreditava em coisas idiotas só poderiam suceder, invariavelmente, coisas disparatadas.»
O meu irmão mais novo é economista. Ele herdou o escritório do nosso avô em 1965 – exactamente o mesmo que, quarenta anos antes, em Janeiro de 1925, foi tomado de assalto por milícias republicanas que ali foram procurar promissórias e bombas reaccionárias escondidas debaixo dos tapetes. Na época, o avô – administrador de quintas inglesas do Douro – recorreu a uma amizade académica, o radical e incendiário presidente do Ministério, José Domingues dos Santos, matosinhense de quem fora colega no burguês mas solene Instituto Superior de Comércio do Porto, que mandou desmobilizar a púrria.
De 1965 até hoje a ciência da contabilidade transformou-se bastante e o meu irmão protesta, com veemência e estatísticas, sempre que (por cinismo mas boa fé) lhe recordo os erros das previsões económicas, o que aproxima a sua classe tanto dos meteorologistas de antanho como dos astrólogos de hoje.
A nossa fé no Dr. Anthímio de Azevedo em nada se compara com a desconfiança nos economistas; o meteorologista explicava pela televisão, de ponteiro na mão, como poderia evoluir o anticiclone dos Açores e como as chuvas do dia poderiam terminar num céu obtuso ou num firmamento limpo – o seu crédito era ilimitado porque os astros eram imprevisíveis. Já com os economistas da televisão a situação é bem diferente. Rodeados de estatísticas, os economistas manejam-nas da mesma forma que Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, esconde a sua receita de pudim de peixe.
Porém, onde o Dr. Anthímio de Azevedo mostrava a imprevisibilidade dos Elementos, os economistas da televisão consideram a infalibilidade dos números, com a diferença de que as previsões dos astrólogos nos ficam consideravelmente mais em conta. O meu irmão não concorda; ele acha que a crise se deve a factores que os economistas estudam com empenho e seriedade, e que vamos demorar vinte anos a recuperar da hecatombe – um tempo que, quando chegar ao Alto Minho, já não me encontrará vivo.
O velho Doutor Homem, meu pai, não só defendia que a vida não tinha sentido (um prolongamento romântico do seu pessimismo) como dizia que era impossível explicar isso a pessoas dos tempos de hoje. Ele acreditava que a um mundo que acreditava em coisas idiotas só poderiam suceder, invariavelmente, coisas disparatadas. Com toda a probabilidade, teria razão. E, confrontado com a previsão de vinte anos para abandonar a crise, ele teria considerado – antes de voltar à leitura do Telegraph – que isso era bem possível, desde que eliminassem os idiotas.