A que horas começa o dia em Moledo?
«Quando era jovem não tinha insónias. Atribuo o facto à minha vida desinteressante, distribuída pelo escritório, pelo cumprimento dos deveres, pelas amizades discretas e pelas horas dedicadas a leituras enfadonhas.»
Os velhos levantam-se mais cedo por dois motivos: dormem menos e, porque são sensatos, recolhem mais cedo. São hábitos de anos que moldaram o carácter e as funções vitais de gerações habituadas a ritmos que, de ordinário, se destinavam a gente que trabalhava cedo, que tinha obrigações domésticas e que acreditava ser bom para a saúde cedo erguer e cedo adormecer.
Até ao aparecimento da televisão, da rádio por vinte e quatro horas, da luz eléctrica, da cafeína distribuída a rodos e dos medicamentos para dormir, os dias de antanho terminavam com aquela placidez que se atribui ao tempo dominado pelo silêncio – o meu e o dos meus avós, e por aí fora, até sermos devolvidos à criação do mundo.
Contra todas as expectativas, acho que esse tempo era enfadonho. Não triste, nem inútil, ou desagradável – apenas enfadonho. As grandes novidades deste tempo comovem-me um tanto, embora não as ache, a esta distância, muito úteis. Servem, certamente, para que a nossa vida fique menos enfadonha; mas peço ao leitor que acompanhe o meu raciocínio: uma vida com sinais enfadonhos não é necessariamente desinteressante ou triste. A vida não tem de assemelhar-se às festas da Senhora da Agonia vistas dos pinhais dos arredores, nem havia pirotecnia que chegasse. Há, portanto, um preço a pagar pelas coisas.
Hoje, dobrando aquela idade que não me transporta a mais memórias mas apenas às primeiras franjas do esquecimento, continuo a levantar-me cedo e a aproveitar a bonomia das madrugadas, apesar de sofrer periodicamente de insónias. Levantar-me cedo oferece-me um bom momento do dia. Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, serve o pequeno-almoço a partir das sete e meia (eu apareço um pouco depois); há vinte anos que se repete, dia-a-dia, o cardápio do pequeno-almoço (torradas e café de cevada), tal como a sobremesa do almoço de Ano Novo.
Quando era jovem não tinha insónias. Atribuo o facto à minha vida desinteressante, distribuída pelo escritório, pelo cumprimento dos deveres, pelas amizades discretas e pelas horas dedicadas a leituras enfadonhas. As minhas irmãs, que sempre me olharam com a curiosidade que se deveria devotar a uma espécie rara, acrescentam a falta de preocupações familiares e a ausência de uma mulher que castigasse a leviandade do meu carácter. Em seu entender, uma esposa deveria proporcionar-me um nível adequado de preocupações, de modo a economizar no sono e a manter-me acordado quando o corpo me ordenasse que dormisse. Foi o que me salvou.