Preparar o Verão e a brevidade da vida
A floração dos hibiscos, como das giestas das serras e das mimosas à beira dos caminhos é um dos retratos do meu Alto Minho particular, enquanto Moledo se prepara para o verão
Lamento informar, mas Maio é um dos grandes meses neste eremitério de Moledo: ele alberga as grandes decisões sobre o Verão que se aproxima de mansinho, colorindo o pinhal das traseiras, empurrando com suavidade as brisas dos nossos crepúsculos, limpando a poeira que ameaça os vasos dos hibiscos – durante anos, a família entendeu que eles davam sentido a uma parte da minha vida, frágeis e rosados, tranquilos com a ideia de que perecerão em breve, conformados com a brevidade da vida e a sua imperfeição.
A floração dos hibiscos, como das giestas das serras e das mimosas à beira dos caminhos é um dos retratos do meu Alto Minho particular, enquanto Moledo se prepara para o verão: Dona Elaine ronda a despensa, tomando medidas, anotando — de memória e mentalmente — a proporção entre os víveres a armazenar e os invasores previsíveis.
A segunda prova da proximidade do Verão é dada pela minha sobrinha Maria Luísa; no esplendor da idade, afastada a hipótese de rumar para destinos longínquos ou vagamente cosmopolitas, ela prefere agora seguir a sombra das suas raízes, para retomar o verso de Eliot, limitando-se a anunciar que de Julho a Setembro o seu quarto está reservado, e que provavelmente aqueles dois adolescentes que passam por seus filhos a acompanharão em parte do acampamento.
Falo de acampamento porque era essa a forma que a casa de Moledo tomava nesses Verões de há não muitos anos, quando todos os meus sobrinhos eram adolescentes e se dispunham não apenas a inaugurar a época balnear mas, também, a acompanhar o seu curso até que o último grão de areia pousasse sobre a superfície abandonada dos caminhos junto do mar. A imagem parece romântica, mas é apenas uma força de expressão — eles assentavam arraiais, entontecidos, e permaneciam assim durante todo o Verão (Julho e Agosto, uma semana de Setembro), arrastando visitantes de que sempre ignorei o nome e violando todos os horários praticados dentro de casa.
Dona Elaine — com a ironia do costume — apreciava a situação. Ela entendia que se tratava de um teste à minha capacidade de resistência e ao habitual torpor que o Verão transportava para a sala da biblioteca e para a varanda onde me dedicava à prática dos cuidados botânicos. Mas a antiga emigrante do Rio ficava feliz com essa invasão juvenil; todos eles tinham bom estômago, resistência à água fria da Ínsua e um descaramento que, julgava ela, incomodava o mais reaccionário dos minhotos de Moledo. Enganava-se; eu sentia-me como um Zé do Telhado na companhia de salteadores de Barcelos.